Tuesday, March 01, 2011

Maharishi: a nova voz!

Humbolt, Sep., 1970

 Maharishi: ... o Prana é naturalmente refinado (durante a MT). Não temos que fazer nada para o refinamento do prana - o prana é refinado naturalmente. 
Com todas estas experiências que estamos a ter a nível pessoal, percebemos que Patanjali apenas advocou a Meditação Transcendental. Esta é a alma de todos os iogas. Esta é a filosofia do ioga. Nós não somos responsáveis pelas interpretações erradas do smadhi e se as interpretações erradas se tornaram comuns em todo o lado, apenas podemos lamentar toda esta situação e começar a refrescar toda a atmosfera.


Se toda a gente passou a estar errada... alguém me disse na Índia - numa palestra aberta como esta - ele disse "Você quer dizer que todos estes santos que têm existido estavam errados e que somente você está certo?" Eu disse "Quando olho para a vossa vida só posso concluir que esta nova voz está certa. E todas as velhas vozes, venham de onde venham, devem ter vindo do campo da ignorância".


Nós não sabemos quem o disse, mas quem quer que seja que advocou a concentração, o controlo, necessidade de desapego, de renúncia do mundo para a iluminação, quem quer que fosse, ele não sabia do que estava a falar. (risos)
Quem quer que seja - pode até ser uma encarnação de Deus a falar a partir do céu, mas nós diremos, páre por favor. (risos) Vamos ouvir a voz da terra.


Toda a coisa está a ser mal interpretada. Interpretações erradas dos Vedas, dos Upanishads, Gita, de toda esta filosofia do Vedanta, filosofia do Ioga - toda esta questão está metida numa trapalhada que nós esperamos, com esta voz de renascimento - e este (MT) é um sistema tão natural e simples para dar a experiência da realidade interior - que a situação mude e o entendimento mude, mas é uma tarefa que necessita de tempo e devoção...  

A devoção a Deus acontece no nível do Ser, não no nível do pensar, Humbolt, 1970.

P: Na introdução que faz ao seu comentário ao Gita, o senhor salientou, sobre Shankaracharya,  que "na ausência do sol, tomam lugar as estrelas mais pequenas" e eu gosto muito dessa frase.

MAHARISHI: você gosta porque é verdade. Todos os dias podemos ver que quando o sol se põe, as estrelas tomam o seu lugar. Essa é a nossa experiência de todos os dias. Todos os dias, no céu, isto continua a acontecer.

P: Na ausência de Shankara, da forma como ele expôs o Vedanta, estarão Ramanuja e os outros (comentadores) correctos?

MAHARISHI: O principal erro de Ramanuja e Madva e todos os outros foi o de menosprezarem a percepção transcendental. Ao advogarem a devoção, eles menosprezaram esta consciência pura e estabeleceram o seu campo da devoção no nível de 'pensar em Deus' - cantando a Deus, rezando a Deus, pensar a toda a hora em Deus.

A devoção é algo do campo do Ser. Vivemos isso na vida. Não temos necessidade de dizer "amo-te tanto" e não temos que passar o tempo a dizer "amo-te tanto". O amor é uma coisa no nível da vida. Nós vivemos isso... vivemos isso espontaneamente - particularmente, o amor ilimitado cujas ondas são tão grandes que chegamos a sentir o toque de Deus.

O amor é uma coisa da vida. Está no nível do Ser. E desligar o Ser do campo da devoção é levar a devoção a perder a base... é como construir um castelo no ar. Não é possível. Não é possível estabelecer o campo da devoção independentemente da percepção pura.

Quando estas pessoas começaram a expôr sobre a devoção, elas limitaram-se a permanecer no nível do elogio de Deus. Se a nossa consciência estiver saturada da consciência de bem-aventurança, se o o nosso coração e mente estiverem cheios com aquela consciência pura, então a canção de Deus é apenas uma onda de bem-aventurança.

Só quando a consciência é universal, é que estes cânticos e estas preces têm um significado, ao contactarem com aquele campo do Todo-Poderoso. Caso contrário é apenas pensar e glorificar o banco, mas permanecendo no mercado. Choramos pelo banco, ficamos no mercado e pensamos no banco e telefonamos para o banco e elogiamos o banco e fazemos todo o tipo de coisas na rua do banco. Mas se não entramos no banco, o banco não nos vai ser particularmente útil.

Quando estas pessoas depois de Shankara começaram a glorificar a devoção, eles não salientaram este aspecto da consciência transcendental, e devido a isso, os seus seguidores, mesmo que embalados numa predisposição para a devoção, sentiram algumas ondas de felicidade nesses estados de espírito, mas não conseguiam chegar à iluminação que a devoção traz - não conseguiam chegar à Consciência de Deus, que é a meta de toda a devoção.

E, portanto, eles não duraram. "eles não duraram" quer dizer, o seu ensinamento permaneceu ineficaz - apenas permaneceu ineficaz. E as pessoas foram dissuadidas de continuar a desperdiçar o seu tempo chorando por Deus ou querendo a Deus ou todo o tipo de coisas que foram catalogadas de prática devocional, mas que resultaram em estados de auto-convencimento. É um desperdício de vida...

Brahman

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"Fica em paz, porque Brahman é paz. E faz com que a tua acção tenha a natureza de Brahman. Porque, fazendo tudo como sendo uma oferta a Brahman, tornar-te-ás instantaneamente Brahman. O Senhor habita em tudo. Ao realizar todas as tuas acções como uma oferenda a Ele, brilha como o Senhor adorado por todos. Torna-te um verdadeiro sanyaasi (renuncia), abandonando firmemente todos os pensamentos e noções; assim libertarás a tua consciência.

O cessar de todos os pensamentos e noções ou imagens mentais e o cessar do pesado condicionamento psicológico são o Ser supremo de Brahman. Preserverar para alcançar este fim é conhecido tanto como ioga como sabedoria (Jñaana); a convicção de que Brahman é tudo, incluindo o mundo e o "Eu", é conhecida como 'oferecer tudo a Brahman'.

Brahman é vazio dentro e vazio fora (indiferenciado e homogénio). Não é um objecto de observação, nem é diferente do observador. O aparecimento do mundo (aparência do mundo) surge nele como uma sua parte infinitesimal. Porque o mundo é, de facto, apenas uma aparência, é na realidade vazio, sem nada e irreal (não-real). Misteriosamente, surge em tudo isto um sentimento 'Eu', que é infinitesimal em comparação com a aparência do mundo"

- O Senhor Krishna quando dá instruções a Arjuna no campo de batalha, O Supremo Ioga, Uma Nova Tradução do Ioga Vasistha. (com os agradecimentos ao Jorge Angelino)
"Fica em paz, porque Brahman é paz. E faz com que a tua acção tenha a natureza de Brahman. Porque, fazendo tudo como sendo uma oferta a Brahman, tornar-te-ás instantaneamente Brahman. O Senhor habita em tudo. Ao realizar todas as tuas acções como uma oferenda a Ele, brilha como o Senhor adorado por todos. Torna-te um verdadeiro sanyaasi (renuncia), abandonando firmemente todos os pensamentos e noções; assim libertarás a tua consciência.

O cessar de todos os pensamentos e noções ou imagens mentais e o cessar do pesado condicionamento psicológico são o Ser supremo de Brahman. Preserverar para alcançar este fim é conhecido tanto como ioga como sabedoria (Jñaana); a convicção de que Brahman é tudo, incluindo o mundo e o "Eu", é conhecida como 'oferecer tudo a Brahman'.

Brahman é vazio dentro e vazio fora (indiferenciado e homogénio). Não é um objecto de observação, nem é diferente do observador. O aparecimento do mundo (aparência do mundo) surge nele como uma sua parte infinitesimal. Porque o mundo é, de facto, apenas uma aparência, é na realidade vazio, sem nada e irreal (não-real). Misteriosamente, surge em tudo isto um sentimento 'Eu', que é infinitesimal em comparação com a aparência do mundo"

- O Senhor Krishna quando dá instruções a Arjuna no campo de batalha, O Supremo Ioga, Uma Nova Tradução do Ioga Vasistha. (com os agradecimentos ao Jorge Angelino)

Friday, July 09, 2010

CONHECIMENTO VÉDICO

“Estabelecido no estado de Ioga, ó Dhanandjaya (o que alcança a riqueza) – Arjuna-, tendo abandonado o apego e tendo ganho o equilíbrio no sucesso e no fracasso, pois que ao equilíbrio da mente se chama Ioga, realiza as acções.”

O texto acima é uma tradução da estrofe 48, segundo capítulo, do Poema do Senhor (Bhagavad Gita), “parte da maior epopeia da Índia e do Mundo: Mahabarata (Grande Ìndia), que contém 100 mil estrofes, formadas por 400 mil versos, distribuídos por 18 Livros e que, a par do Ramayana, constitui a arquitectura épica da monumentalidade linguística da Índia. O Bhagavad Gita, podemos considerá-lo, é um concentrado de toda a sabedoria védica (contida nos Vedas) e o núcleo da espiritualidade hindu. “De todos os textos sagrados da humanidade, não há provavelmente outro que seja tão grande, tão completo e tão curto” – alguém disse”. (António Barahona)


Abaixo, transcrevo o comentário de Maharishi Mahesh Yogi a esta estrofe do Bhagavad Gita.

“O Ioga, ou união da mente com a inteligência divina, começa quando a mente adquire a consciência transcendental; o Ioga alcança a maturidade quando esta consciência transcendental de bem-aventurança, ou Ser divino, conquista terreno na mente a um ponto tal que, seja qual for o estado em que se encontra, quer em vigília ou no sono, ela se mantém estabelecida no estado de Ser. É a este estado de iluminação perfeita que o Senhor se refere no início da estrofe, quando diz: ‘Estabelecido no estado de Ioga’. No fim da estrofe ele define ‘Ioga’ em relação à acção como ‘equilíbrio da mente’. Este estado de equilíbrio da mente é o resultado do contentamento eterno que surge com a consciência de bem-aventurança. Não é adquirido criando um estado de espírito de equanimidade na perda e no ganho, como a generalidade dos comentadores pensou.
O Ioga é a base de uma vida integrada, um meio de colocar em harmonia o silêncio criativo interior e a actividade exterior da vida, e uma forma de agir com precisão e sucesso. Estabelecido no estado de Ioga, Arjuna será estabelecido na realidade última da vida, que é a fonte da eterna sabedoria, poder e criatividade.
Parte do treino para alguém que queira ser um bom nadador consiste na arte de mergulhar. Quando conseguimos manter-nos com sucesso no fundo da água, então, nadar na superfície torna-se fácil. Toda a acção é o resultado do jogo da mente consciente. Se a mente é forte, então a acção é também forte e bem sucedida. A mente consciente torna-se poderosa quando os níveis mais profundos do oceano da mente são activados durante o processo da Meditação Transcendental, que conduz a atenção da superfí-cie da mente consciente até ao campo transcendental do Ser. O processo de mergulhar no interior é o caminho para se ficar estabelecido no estado de Ioga.
Quando o senhor Krishna diz que, tendo passado por este processo, Arjuna devia vir para fora e agir, ele está a dar-lhe a mecânica da acção bem sucedida. Para disparar um arco com sucesso, é preciso primeiro puxar a seta para trás, dando-lhe assim grande energia potencial. Quando a seta é puxada para trás o mais possível, então ela tem o maior poder dinâmico.
Infelizmente, a arte da acção exposta aqui pelo senhor Krishna a Arjuna, parece ter desaparecido da vida prática nos nossos dias. Isto acontece por, durante muitos séculos, devido à falta de uma interpretação correcta destes versos, ter sido considerado difícil conduzir a mente até ao Ser e permanecer estabelecido no estado de Ioga. É, de facto, perfeitamente fácil conduzir a atenção ao campo do Ser: apenas temos que deixar a mente mover-se espontaneamente do campo grosseiro da experiência objectiva, através dos campos subtis do processo de pensar, até à realidade última e transcendental da existência. À medida que a mente se move nesta direcção, começa a experimentar uma atracção maior em cada passo, até chegar ao estado de consciência de bem-aventurança transcendental.
A recompensa por trazer a mente a este estado está em que a pequena mente individual cresce até ao estatuto da mente cósmica, elevando-se acima de todos os seus defeitos e limitações. É como um pequeno homem de negócios que enriquece e atinge o estatuto de multimilionário. As perdas e ganhos do mercado, que antes o influenciavam, já não têm efeito nele que se eleva muito naturalmente acima da sua influência.
O Senhor quer que Arjuna aja, mas pretende que ele, antes de iniciar a acção, adquira o estatuto de mente cósmica. Esta é a sua bondade. Quando uma pessoa rica quer que o seu filho inicie um negócio, ela não quer, normal-mente, que ele comece em pequena escala, porque sabe que, dessa forma, as pequenas perdas e ganhos terão influência no seu querido filho, fazendo-o sentir-se mal, ou feliz, por pequenas trivialidades. Portanto, dá-lhe o estatuto de pessoa rica e, então, pede-lhe que inicie o negócio a partir desse nível. O senhor Krishna, como pai bondoso e capaz que é, aconselha Arjuna a atingir o estado de inteligência cósmica e então agir a partir desse elevado estado de liberdade na vida.
Uma pessoa não se pode manter em equilíbrio na perda e no ganho se não estiver num estado de contentamento duradouro. Aqui, o Senhor está a pedir a Arjuna que obtenha esse estado de contentamento duradouro através de uma experiência directa de bem-aventurança eterna e transcendental. Ele não está a aconselhar um mero estado de espírito de equanimidade. O estado de bem-aventurança transcendental no Ser eterno é tão auto-suficiente que, na sua estrutura, é absoluto. É plenitude de vida, perfeição de existência e, portanto, completamente desligado de tudo o que pertence ao campo relativo, completamente livre da influência da acção.
Quando o Senhor diz: ‘Tendo abandonado o apego’, ele quer dizer tendo ganho este estado do Ser eterno, que é, na sua totalidade, separado e desligado da actividade. E quando ele diz: ‘Tendo ganho o equilíbrio no sucesso e no fracasso’, quer dizer tendo atingido a estabilidade neste estado do Ser eterno.
A prática regular da Meditação Transcendental é o caminho directo para ascender ao estado do Ser transcendental e estabilizá-lo na própria natureza da mente, de modo que, quaisquer que sejam os envolvimentos nos conflitos inerentes às diversidades da vida, a estrutura de unidade em liberdade eterna é naturalmente mantida e a vida não se perde dela própria”.

A definição de Ioga resumida na estrofe do Bahgavad Gita e o comentário e desenvolvimento da responsabilidade de Maharishi Mahesh Yogi, fornecem-nos a chave para a utilização do pleno potencial da mente humana – 100% do valor relativo e 100% do valor absoluto. Como dois lados da mesma moeda, estes dois valores da experiência podem e devem estar presentes na mente consciente. Tal como a raiz de uma árvore, escondida na terra, a sustenta e constitui a base estável dessa árvore, também o valor absoluto sustenta e é a base estável de todos os aspectos relativos (visíveis) da vida. Viver a vida apenas com a consciência do nível relativo da actividade é viver uma vida em ignorância da totalidade. É viver com uma consciência mais ou menos desenvolvida dos aspectos visíveis e observáveis, mas sem a consciência do aspecto invisível e inobservável – o Ser. A experiência do Ser é a experiência do que observa. Ioga é a experiência estabilizada e unificada do Ser que observa e dos objectos da experiência do campo relativo da vida. Ioga é um estado de vida integrado, em que ambos os aspectos da consciência, relativo e absoluto, estão presentes, por oposição ao estado limitado de ignorância, em que apenas está presente a consciência de aspectos parciais, ou ilusórios, da realidade. Devido a problemas de educação, o campo do Ser tem estado afastado da experiência individual, originando mentes limitadas e incapazes de abarcar a essência da realidade. Este facto está na origem da frustração e infelicidade que singram no seio dos povos da Terra. Na origem da ignorância, da ganância, da arrogância, da prepotência, mas também do medo, da miséria humana, da indignidade.

Os problemas sociais têm origem na ignorância individual. Pode dizer-se que o estado do mundo é que cegos são governados por cegos. O sistema de educação, na generalidade das nações, promove o conhecimento proporcionado pela experiência dos sentidos e ignora o conhecimento proporcionado pela experiência do Ser puro e transcendental. O conhecimento de apenas um lado da moeda está na origem do desentendimento entre povos, da desconfiança generalizada e do medo que são responsáveis por guerras sempre novas, terrorismo e todas as chagas sociais.

Este desconhecimento acontece, como disse, devido a uma deficiente educação; como afirma aqui Maharishi, por ter sido considerado difícil conduzir a mente até ao Ser e permanecer estabelecido no estado de Ioga. Devido à deficiência de interpretação, a experiência do Ser foi considerada muito difícil de conseguir. Considerou-se, assim, que só alguns, muito poucos, o poderiam conseguir, usando para isso a reclusão ou ascetismo e afastando-se do resto da sociedade.

A tradição de mestres védicos do conhecimento, plenamente incorporada na vida de Sri Guru Dev, Swami Brahmananda Saraswati, Jagadguru, Bhagwan Shankaracharia de Jyotir Math, nos Himalayas, e iluminadamente transmitida ao mundo por Maharishi Mahesh Yogi, surge-nos, neste novo milénio, na fórmula da Meditação Transcendental e do Programa de MT-Sidhis, como a chave para a desmistificação de que o conhecimento da totalidade da realidade suprema é apenas para alguns eleitos, retirados em mosteiros, mesquitas, sinagogas, pagodes, ou grutas nos Himalayas.

Este conhecimento surge, na sua própria dignidade, como a real oportunidade de democratização da verdadeira educação, a educação plena do indivíduo, em que o conhecimento dos objectos dos sentidos é obtido à luz da experiência do sujeito do conhecimento, do conhecedor, o Ser eterno e omnipresente. A experiência do Ser na mente individual é fácil e simples e pode ser obtida por qualquer pessoa, independentemente do seu nível de poder, riqueza ou conhecimento intelectual. Esta é a oportunidade da nossa era. Este conhecimento do conhecedor, o védico samitha de Rishi, Devata e Chandas, a unidade de conhecimento que constitui o conhecimento do conhecedor, o conhecimento do conhecido e o conhecimento do processo que liga o conhecedor ao conhecido, é o libertador por excelência de todas as competências que conduzem à acção correcta espontânea.

É a ausência do conhecimento do conhecedor que é responsável pelas acções erradas. A nossa história provou já à saciedade que não são as injunções de carácter moral nem os códigos éticos e comportamentais das várias religiões, nomeadamente a judaico-cristã, que conseguem garantir essa acção correcta. Apesar de terem muitas vezes o seu comportamento balizado e limitado (tanto a nível consciente como inconsciente) por tais códigos, a verdade é que, ao longo de milénios, as nossas sociedades têm permanecido na senda do comportamento individual e social errado. Apesar das advertências para fazer o bem, o homem continua a deixar-se dominar pelo mal. Não parece haver lei nem código que resista a esta tendência para o mal que se manifesta a todos os níveis da sociedade. Com isto não quero dizer que os códigos e leis sejam, em si, maus. Não. O que falta é a educação total do indivíduo, única forma de levá-lo a agir correctamente, quer a nível individual, quer a nível social, ecológico, etc. Só a experiência do Ser puro, transcendental, omnipotente e omnipresente, ao nível da consciência individual, e a sua estabilização em todos os outros estados de consciência, vigília, sono e sonho, pode garantir o sucesso na acção. E esse sucesso surge de forma espontânea com a prática regularda Meditação Transcendental, facilmente e sem esforço.

Thursday, May 13, 2010

Líderes políticos apoiam a Meditação Transcendental

O mundo anglo-saxónico, que (para o bem e para o mal ) inclui os países mais determinantes na condução dos destinos do nosso mundo (Reino Unido e Estados Unidos), vê emergirem novos protagonistas políticos com uma característica: são praticantes e/ou apoiantes da Meditação Transcendental.

Tanto Nick Clegg (novo Vice-Primeiro Ministro de Inglaterra) como William Hague (ex Tory Líder e novo Ministro dos Negócios Estrangeiros de Sua Majestade) deram recentemente entrevistas em que confirmam a sua prática da técnica de Meditação Transcendental.

Já durante a sua campanha para Presidente dos EUA, Barack Obama, posava junto ao Mayor de Fairfield, Iowa, e grande entusiasta da técnica, ostentando uma gravata com o desenho da bandeira do País Global da Paz Mundial, organização criada por Maharishi Mahesh Yogi, o fundador da Meditação Transcendental.

Todas as condições estão agora criadas para que rapidamente se consigam atingir os números de 1% de praticantes da técnica de MT, ou a raiz-quadrada de 1% de praticantes em grupo das suas técnicas avançadas, cientificamente calculados para que o efeito de coerência (Efeito Maharishi) gerado nos faça entrar numa nova fase no mundo, transitando rapidamente para aquilo a que os Vedas designam como Sat Yuga, ou Era da Iluminação, prevista e inaugurada por Maharishi Mahesh Yogi em 1975.

A Meditação Transcendental é uma técnica de meditação introduzida no ocidente pelo sábio hindu Maharishi Mahesh Yogi, após ter, ele próprio, recebido o conhecimento do seu mestre, Swami Brahmananda Sarasvati, o Shankaracharya dos Himalaias, Índia. Pratica-se durante 20 minutos, de manhã e à tarde no conforto das nossas casas. A sua característica fundamental é ser fácil de aprender e fácil de praticar, proporcionando o acesso, duas vezes ao dia, ao nível silencioso da consciência, Consciência Transcendental ou Ser, que é a fonte de todo o pensar e de toda a acção.

Os seus benefícios em vários campos da vida são documentados em mais de 600 estudos científicos levados a cabo nas principais universidades, estando publicados nas principais revistas científicas mais de 300 destes estudos revistos inter-pares.
As investigações mais recentes comprovam os seus efeitos positivos na redução da tensão arterial alta, da diabetes, da ansiedade e da depressão, e no síndrome de hiperactividade das crianças, bem como o desenvolvimento da inteligência e o estímulo da actividade mental, melhorando as ligações e a informação entre as várias partes do cérebro.

Grandes vultos mundiais das artes e da cultura, como o ex-Beatle Paul McCartney, o realizador de culto David Lynch, o músico Moby, o filantropo e líder da cultura hip-hop Russell Simmons, o comediante Jerry Seinfeld, o líder da banda Pearl Jam, Eddie Vedder, a cantora Sheryl Crow, o físico quântico John Hagelin, etc., têm-se destacado na divulgação da MT, especialmente nos EUA, onde participaram, no Radio City Hall de Nova Iorque, em Abril de 2008, num concerto para recolha de fundos para a - David Lynch Foundation for Consciousness-Based Education and World Peace, cujo objectivo é ensinar a MT a 1 milhão de crianças em risco. Muitas outras personalidades mundiais são praticantes assumidos da MT. Como o caso de Clint Eastwood que recentemente, numa entrevista, afirmou praticar a Meditação Transcendental há quase 40 anos.

A Meditação Transcendental está recentemente a ser introduzida num programa designado por "tempo de silêncio" nas escolas públicas e privadas de muitos países, como forma comprovada de eliminar o stress em meio escolar e criar as condições para a melhoria de rendimento escolar dos alunos, bem como melhorar significativamente o ambiente nas escolas, tanto entre alunos como entre professores e pessoal assistente. Também em Portugal se estão a dar os primeiros passos neste domínio.

Recentemente, têm sido reactivadas actividades que usam a MT como instrumento para a reabilitação e reinserção social de presos em várias prisões de alta segurança nos EUA e outros países. Está a ser desenvolvida investigação nesta área que comprova a eficácia desta meditação.


A partir de agora está facilitada a disseminação da MT, uma vez que será mais fácil desmentir algumas ideias que ligam a MT a misticismo ou religião. De facto, a Meditação Transcendental não é religião nem as pessoas precisam de abdicar da sua própria religião e convicções filosóficas ou práticas culturais. Antes pelo contrário, muitos sacerdotes das principais religiões, praticam-na regularmente como forma de aprofundarem as experiências espirituais no âmbito da sua fé. Do mesmo modo, praticam a MT agnósticos e ateus, obtendo exactamente os mesmos efeitos benéficos desta forma de meditação.


Friday, May 07, 2010

Rosas cor-de-rosa junto à piscina


As rosas, tinha-as visto por ali, plantadas num canteiro que bordejava a piscina. A sua característica principal era serem cor-de-rosa límpido, especialmente quando o sol, conseguindo fazer chegar os seus raios por entre a abundante vegetação de palmeiras, ameixeiras bravas, aloé-veras e outras árvores e arbustos que se agarravam aos socalcos que desciam até ao terraço da piscina, se plasmava nas pétalas, dando-lhes aquela cor tão fresca e sedutora. Sim, já tinha reparado nelas e já lhes tinha prestado parte, pelo menos, da homenagem que mereciam, de tão lindas, tão simples…

Mas naquele dia, havia já alguns minutos (horas?) que toda a vida à minha volta se me apresentara de outro modo, nova. Após um período matinal de meditação, sentia-me como se não tivesse saído dela. Enquanto meditava, a mente fluiu livremente em direcção a cada vez menos de si mesma e a cada vez mais de silêncio e luz interior. Luz de consciência, de vida vívida, de prazer sem limite, e silêncio de pura calma, de relaxamento saboroso e energia total disponível em simultâneo. Experiência marcante.

Ao sair da meditação, ali estava o mundo, aquele pequeno mundo da casa da Rua da Arriaga, de terraços a dar para o jardim que descia como que para o Tejo. As paredes da casa, rosa velho, as escadarias do rés-do-chão ao piso inferior, o terraço aí, em calçada portuguesa, continuando a descer, o relvado verde bem aparado, ao lado direito, o lago com peixes, e, descendo mais, a zona densa de vegetação a refrescar o jardim, a grande árvore ao centro… acedia-se ao terraço da piscina onde, em apontamento, estava um canteiro de rosas. Mas, tudo isto era agora uma nova visão. Realmente, ver é acreditar, como diz o mestre.

O sol iluminava todo o jardim. Seriam cerca das onze da manhã. Havia vários perfumes que, à vez, me estimulavam as narinas inebriadas. Inspirei profundamente antes de descer os vários lances de escadas e, ainda os pulmões se não tinham esvaziado, a comoção profunda assaltou-me o corpo, que se arrepiou, e as lágrimas soltaram-se dos olhos em abundância. Uma palavra enchia-me a mente: felicidade! “É incrível! Eu estou realmente a viver isto!”, pensei, enquanto ensaiava alguns passos, na intenção de me dirigir para baixo, onde estavam os outros. As lágrimas continuaram a correr-me pela face à medida que andava. Não andava. Deslizava, sem peso nem atrito, pura inércia gerada na vontade simples.

Os verdes eram cheios de vida e cada gota de água que ainda restava nas folhas da rega da manhã falava comigo como uma bola de cristal, íntima, como família. Abelhas entregavam-me todo o seu amarelo nítido enquanto pairavam em roda dos seus néctares. Esses que também eu absorvia como aromas do paraíso. Pássaros. Dois melros roliços brincavam comigo falando-me desde os seus bicos doirados. Cada passo novo um novo mundo. Uma leve brisa entregava-me algumas flores que esvoaçavam a dar-me as boas-vindas. Eu era aquilo! Tudo aquilo era eu e vibrava dentro de mim, gritando uma unidade grande! Tão grande!

Ao descer os últimos degraus, as rosas. O canteiro teria uns 3 a 4 metros de largura. De um lado ao outro, emergiam caules verdes com nódulos e espinhos, alguns acastanhados. No topo, aqueles cálices delicados, botões semi-desabrochados, cor-de-rosa, iluminados. Debruçado sobre eles, bebi-lhes o cheiro e a cor até estar saciado do perfume e da imagem tão forte e, simultaneamente, tão subtil daqueles seres celestiais ali plantados para iluminar toda a minha vida naquele momento. No terraço da piscina plasmava-se o sol claro do céu azul de Lisboa, convidando a um mergulho.

E os colegas conversaram comigo, vindo-me de dentro, na evidência de serem eu, falando-me em ioguis que nadam, na posição de lotus, como peixes no Ganga sagrado. O Carlos T mostrou-me como era.

Tuesday, March 02, 2010

Criação da Paz Mundial Permanente

O que fazer? Como, então, criar a paz?

Pergunto-me se alguém que está em guerra consigo mesmo pode ser um contributo válido para a paz mundial.

Já aos 18 anos fazia esta pergunta a mim mesmo, embora no período revolucionário me tivesse deixado arrastar para o jogo político das organizações que existiam (e existem ainda) cuja especialidade era terem receitas mais ou menos racionais, mas superficiais, para a criação de uma sociedade melhor, mais igualitária, mais feliz. Fi-lo sempre contrariado, mas porque não encontrava alternativas a este paradigma.

Falavam-me então, em ioguis que tinham capacidades anormais (sidhis), ou paranormais, ou super normais, etc. Todo esse mundo dos ioguis me fascinouu desde muito cedo. Mas havia a questão sacramental... "se eles têm assim tanto poder, porque não contribuem de forma eficaz para a criação de um mundo melhor, de maior realização pessoal e social?" "São egoistas", pensava eu! Remetem-se ao isolamento sem se preocuparem com o estado do mundo.

Eis senão quando dou de caras com um desses ioguis, um iogui verdadeiro, daqueles que se iluminam nas montanhas dos Himalaias, que vivem em paz, no contacto directo com os deuses. Mas este iogui era diferente de outros que conhecera, também grandes homens despojados, empenhados no bem. Este trazia a solução que eu procurava. O seu projecto era, através da disseminação global de uma técnica de meditação muito simples, mas muito eficaz, criar Paz no indivíduo, como única forma possível de criar Paz no mundo.

Como criar uma floresta verde, se as suas árvores não forem verdes?

O seu anúncio, em 1975 (estávamos em Portugal em pleno PREC), da inauguração do amanhecer de uma nova Era, a Era da Iluminação, para todo o planeta, e a descoberta posterior do meu Ser interior a través da Meditação Transcendental, do crescimento de cada vez mais paz dentro de mim, comigo mesmo, fez-me render totalmente a este projecto de dimensões difíceis de imaginar. Afinal sempre surgira um iogui com poderes tais, que, sozinho, sem posses, sem ambições que não fossem trazer a sua própria paz aos outros, aos outros de todo o mundo ("trago-vos a minha paz, dou-vos a minha paz", lembram-se?) estava a criar um mundo novo.

E aqui estamos hoje, com a influência da nova Era a alastrar-se de forma cada vez mais visível, mais main stream (na altura tudo isto era visto pelo comum das pessoas como algo muito esotérico, ameaçador, estranho). Não há outra solução. "O futuro é brilhante", disse Maharishi dias antes de nos deixar. A onda avassaladora de paz e iluminação, de invencibilidade para todas as nações, está em marcha irreversível e já ninguém a pode parar! Que bom!

Friday, January 01, 2010

A vida é bem-aventurança

Acabo de vir de umas compras de supermercado. Muita gente numa azáfama alegre fazendo os últimos aprovisionamentos do ano, enchendo carrinhos com bebidas várias para comemorar o Ano Novo. Vinho para a derradeira refeição (os mais pobres levavam vinho corrente, os mais remediados aventuravam-se em vinhos de nomeada, reservas, etc.), espumantes para comemorar a passagem (um homem careca alto apregoava a sua necessidade premente de um Murganheira Doce - eu prefiro o Bruto...), os "Mon Chéri" de que tanto gosto estavam no fim, mas ainda consegui uma caixa pequena. Muitos legumes, couves Penca (como lhe chamam lá no Norte, na minha terra, ou na dos meus familiares).

A azáfama das compras parece ter voltado, ainda que, possivelmente, por momentos. A crise era muito má, o pessoal ficou com medo e jogou à defesa, poupou, não comprou. A sensação parece ser a de que agora as coisas já não parecem tão mal como se faziam anteceder. O mundo não ruiu. Ainda estamos vivos, portanto, há que comprar, desfrutar, comemorar a vida que passa e que fica.

Estava tudo, muita gente, com as faces iluminadas. Sentia-se esperança e alegria no ar. Logo, a festança será de arrasar!

É bom observar esta alegria! O meu povo a sentir-se bem. Ricos e pobres (não é que eu aceite que tenha que haver pobres, antes pelo contrário). Até o rapaz cuja morada de todos os dias fica à porta do supermercado, um moço novo, inteligente, com algumas letras... mas totalmente virado do avesso pelo vício da droga, até ele, que ultimamente tenho visto a chorar àquela porta, estava de sorriso desfraldado, oferecendo-se jovialmente para levar carrinhos de compras aos porta-bagagens dos carros.

Meti-me na bicha longa, esperei enquanto gozava de toda aquela alegria no ar, paguei as minhas parcas compras de última hora (coisas para levar para a festinha em casa do irmão António) e saí para a chuva pesada que caía fora. Andei debaixo dela e do guarda-chuva até casa... parecia que voava (não, voava mesmo!) enquanto as palavras do Mestre me ecoavam sinfonicamente por dentro: "a vida é bem-aventurança"! Nunca é tarde para o descobrir. Bom Ano a Todos! 31 de Dezembro de 2009, 17h30.

The importance of the gap

There lived, I know not when, never perhaps -But the fact is he lived - an unknown king Whose kingdom was the strange Kingdom of Gaps. He was lord of what is twist thing and thing, Of interbeings, of that part of usThat lies between our waking and our sleep, Between our silence and our speech, between Us and the consciousness of us; and thus A strange mute kingdom did that weird king keep Sequestered from our thought of time and scene. Those supreme purposes that never reach The deed - between them and the deed undone He rules, uncrowned. He is the mystery which Is between eyes and sight, nor blind nor seeing. Himself is never ended nor begun, Above his own void presence empty shelf All He is but a chasm in his own being,The lidless box holding not-being's no-pelf. All think that he is God, except himself. Fernando Pessoa. ou... The importance of the gap!

Nirukt
The gap of the veda (that veda is)
Forward (Viakara) process of knowledge; and backward process of knowledge (Nirukta). São duas expressões. Marcha para a frente e marcha para trás.
Creation is from Atharva.
A memória é a parte mais importante.
Não esquecer a fonte, que é o objectivo de toda a marcha para a frente.
Yagya (Ya: perform Gya: conhecimento)
sama ved, yajur ved, atharva ved, rig ved

aknim

yoga is just sahmita, veda!

atharva ved knowledge

Excertos de MMY em vídeo

Wednesday, October 28, 2009

Karma ioga

Alguém que possa correr, também pode andar; e alguém que ande, pode ficar parado. O andar está contido no correr e o estar parado, no andar. Do mesmo modo, a mente em movimento (pensamentos) também pode ficar quieta - o silêncio está contido na mente que vagueia de pensamento em pensamento. Assim como aquele que anda tende a ficar parado em algum momento, também a mente tende naturalmente a ficar em silêncio. Alerta em silêncio é um estado de paz dinâmica, de pura potencialidade, a partir do qual todo o movimento pode ser gerado na mente e toda a acção é comandada.

Este silêncio, esta quietude é o centro de comando para a acção correcta espontânea. Dele brotam os pensamentos e destes, a acção. Aceder ao estado de consciência pura, de inteligência pura, de energia pura, de criatividade pura é aceder ao estado transcendental da consciência, que não muda, que está lá, sempre esteve lá e continuará a estar lá.

Cada onda que se ergue do mar, permanece mar sem deixar de ser onda. Ela é mais forte quanto mais mar extrair para se constituir como onda.

Cada pensamento, de igual modo, deve permanecer consciência pura, silenciosa do Ser e será tão mais forte quanto mais desta consciência contiver. A acção beneficia de pensamentos assim - torna-se naturalmente mais eficaz.

Este é o karma ioga da Meditação Transcendental - meditar para tornar a acção mais eficaz, mais correcta, mais poderosa.

Monday, October 26, 2009

Tuesday, June 16, 2009

O que é a Meditação Transcendental?


A Meditação Transcendental é uma técnica de meditação. A meditação não é religião, embora possa ser usada como prática espiritual nas várias religiões. Um exemplo: defender a vida humana não é religião, embora as religiões possam fazer essa defesa. Ou ainda, adoptar uma ou várias normas de comportamento não é religião, embora as religiões possam defender essas mesmas normas.

No caso da meditação, a situação é ainda mais clara. Trata-se de um processo psicofisiológico concreto. Dormir não é religião. Estar desperto não é religião. Sonhar não é religião. Meditar é adoptar um procedimento que dá acesso a um estado da mente/corpo, diferente do estar acordado, do dormir ou do sonhar, mas, ainda assim, um estado mental com uma correspondente fisiológica específica – um quarto estado de consciência. Este é o conhecimento da investigação mais moderna sobre o funcionamento da mente.

Meditação não é rezar, não é crer ou acreditar, não é pensamento positivo, não é uma moda new age. Para meditar não é necessário ter um deus, qualquer deus. Não é necessário uma igreja ou seita. Ateus, agnósticos ou crentes de qualquer fé podem meditar com o mesmo sucesso, e beneficiar dos efeitos positivos desta prática.

Meditação não é uma prática de grupo isolado, não impõe estilos nem rotinas específicas de vida, não exige mudança de convicções, nem é só para alguns ou para ascetas em reclusão. A meditação é - deve ser - para todos! Desde que se possa pensar, pode-se meditar. Todos podem ter acesso aos benefícios para a vida que a ciência comprova na prática diária da meditação.

Numa expressão curta, a meditação aquieta a mente. Diminui a actividade da mente. É um estado de simplicidade da mente. A mente quieta produz um corpo relaxado. Mente quieta, mas alerta, desperta. No sono profundo, a mente está quieta, mas não alerta – não há consciência. Na meditação, a mente está quieta, mas a consciência mantém-se, acentua-se, expande-se.

O objecto da meditação é a transcendência. Mas não devemos entender este termo como algo do domínio do misticismo ou do religioso. A transcendência pode e deve ser experimentada por todos, e existe, independentemente de qualquer religião. A transcendência é um estado da mente, da consciência. Não é uma crença. Não se trata de pensar na transcendência, desta ou daquela maneira. Por exemplo, pensar em Deus, no facto de ele ser transcendente, etc. Isso é mente activa, é mente envolvida no nível do pensamento, do intelecto. A Meditação Transcendental não é isso.

A Meditação Transcendental é uma técnica para permitir que a mente se recolha no seu próprio silêncio. Partindo do “barulho”, do “ruído”, dos pensamentos que assolam normalmente a mente, dos “turbilhões da mente”, para chegar à quietude, ao silêncio consciente, à paz interior, à serenidade do Ser. E o corpo aquieta-se quando a mente se aquieta. Ligado de forma indissociável à mente em repouso profundo, também o corpo obtém repouso profundo.

Esta meditação é um processo completamente natural, não envolve esforço. Trata-se apenas de criar o “ângulo correcto do mergulho”, que permite que a atenção mergulhe sem esforço, facilmente, e se dirija naturalmente para  níveis sucessivamente mais agradávies da actividade da mente. Transcenda os aspectos mais concretos, mais superficiais, mais “barulhentos”, com mais significado intelectual, para atingir os níveis mais abstractos, mais indistintos, mais rarefeitos do pensamento e, mesmo, transcendendo este nível, chegar ao nível da transcendência plena, da consciência transcendental, em pleno silêncio, paz e bem-aventurança ilimitadas. É a técnica para isto. É uma técnica. Uma tecnologia da consciência para o conhecimento do Eu, do Ser, Atma. Uma viagem muito bela.

Tenho que admitir que alguém, na posse desta tecnologia, possa, a partir daí, criar uma religião. Digamos mesmo, que muitas das principais religiões se construíram sobre a posse ou domínio total ou parcial desta tecnologia. A Meditação Transcendental para todos permite que, se assim o quiser, alguém possa criar a sua própria religião. Ou não. Alguns de nós precisam de ter uma religião, outros não. Uns aprofundarão os fundamentos da religião que já têm, outros, por ventura, as suas próprias convicções filosóficas, culturais, etc. E outros poderão também, porque não, alterar essas convicções.

A Meditação Transcendental é, assim, uma técnica de libertação, para chegar à verdadeira liberdade, uma liberdade só possível se for baseada numa consciência plenamente expandida, na utilização plena dos 100 por cento do nosso potencial mental disponível, por oposição à utilização de apenas 5 ou 10 por cento desse potencial, que os psicólogos afirmam ser a média geral da população. A ciência confirma-o, e ignorar a ciência e o estado do conhecimento científico actual neste domínio, como noutros, apenas pode levar ao insucesso e, mesmo, ao desastre.

Mais do que as religiões, nos nossos dias, quem deve usar esta tecnologia, são os estados, as diversas organizações sociais. O Governo é o espelho inocente da consciência colectiva da Nação. O chefe de um governo pensa, naturalmente, para si mesmo “o que posso fazer de melhor para o meu povo?” Melhorar a economia, melhorar os aspectos sociais, a saúde, etc., etc. Mas ele só pode fazer o que a consciência colectiva do seu povo permitir. Muitas vezes, ao mesmo tempo que entretém este pensamento, ele envolve o seu país em guerras, ou assina tratados de paz. Esta tem sido um pouco a história da humanidade. E isto acontece porque a consciência colectiva está manietada pelo stress individual dos cidadãos. Até há pouco tempo, o mundo não tinha descoberto, validado pela via do conhecimento científico, uma solução de base para os seus problemas ancestrais. A situação de hoje alterou-se. Os governantes têm agora ao seu dispor um vasto corpo de investigação científica que mostra como pode ser gerida a nossa sociedade, em paz, abundância e felicidade individual dos seus membros. Não usar este conhecimento pode ser considerado criminoso. E os cidadãos do futuro vão certamente responsabilizar os governantes por tão grave falha. De facto, como explicar a esses cidadãos que, havendo uma tecnologia disponível, que pode ser utilizada a qualquer momento e que produzirá efeitos a muito curto prazo (conforme mostra a investigação), na criação de uma sociedade livre e realizada, liberta de guerras, terrorismo, etc., alguém à frente de um governo, não use esse recurso imediatamente?


Portanto, como diriam os ingleses quanto à Meditação Transcendental, "what's in it for me?" O que tem qualquer pessoa, de qualquer estrato social, de qualquer proveniência geográfica e cultural, de qualquer sexo, de qualquer raça, de qualquer idade, de qualquer nível de conhecimento, de qualquer filiação religiosa ou filosófica, a ganhar com a prática da MT? Qual o retorno do investimento na aprendizagem e prática regular desta técnica de meditação, durante 20 minutos, duas vezes por dia? Onde está o ganho?

O ganho está na optimização da capacidade de perceber. De conhecer... ("conhece-te a ti próprio") a realidade essencial daquilo que somos como seres humanos e, conhecendo isso, conhecer tudo o resto que existe em redor. No entanto, este conhecimento não é de natureza intelectual, transcende a actividade da superfície da mente, é conhecimento do Ser. Ou, se quisermos, o Ser, como conhecimento. É cognição directa. É "Eureka!" É "Aha!" É uma associação íntima da percepção com a sua realidade essencial de consciência, de capacidade de conhecer.

A MT cria a condição na mente para que, de forma totalmente sem esforço, numa progressão natural na procura de campos de maior felicidade, a percepção marche em direcção à fonte do pensamento, aquele estado consciente donde são originados todos os pensamentos e que, em si mesmo, está quieto, sem excitação, em silêncio. Este é o campo de todas as possibilidades para a mente e para toda a vida que, uma vez experimentado, uma vez estimulado, aumenta o espectro de possibilidades de realização nas várias áreas da nossa vida. Tudo o que é bom para a mente aumenta com a experiência regular do Ser na Meditação Transcendental. 

Mais calma e silêncio interior mesmo quando estamos envolvidos na actividade mais exigente, maior inteligência, maior capacidade de dar atenção e de, assim, não desperdiçar oportunidades de realização que vão surgindo na nossa vida, maior capacidade de concentração quer no estudo quer na prossecução de objectivos, maior independência de campo e maior invencibilidade face aos desafios exteriores, mais doçura de coração, maior capacidade de amar e de dar, mais capacidade para agir correctamente de forma espontânea evitando os erros que comprometem a nossa realização, a concretização dos nossos desejos, maior felicidade.

Thursday, February 12, 2009

Karl Marx

"Os donos do capital vão estimular a classe trabalhadora a comprar bens caros, casas e tecnologia, fazendo-os dever cada vez mais, até que se torne insuportável. O débito não pago levará os bancos à falência, que terão que ser nacionalizados pelo Estado". Karl Marx - Das Kapital (qualquer semelhança não é mera coincidência....!!!!)

Será quevamos mesmo virar marxistas?... Isto quase parece uma professia de Nostradamus... mas é pura ciência económica posta debaixo do tapete pelos "money masters" e seus escravos mesmerizados pela miragem da ganância e do lucro fácil. Mas o azeite vem sempre à tona...

Agora é só necessário mudar o programa violento de transformação da sociedade para um novo e realmente revolucionário programa, a revolução permanente da Meditação Transcendental que começa por cada indivíduo aceder à energia criadora dentro de si e acabará por infectar o mundo inteiro de... Paz. Aquela percepção que nos escancara a realidade de que a Terra sempre esteve no Céu e de que o Céu sempre esteve na Terra. Aqui e agora. O fim da fome, da iliteracia, das doenças facilmente evitáveis, da injustiça, do terrorismo - o Céu na Terra. Este é o programa que descobri em Maharishi em 1978, quando percebi que a revolução que terminara há pouco tempo, não era, afinal, a verdadeira revolução. A verdadeira revolução é a revolução que nos enche da percepção permanente do Ser eterno, que é a memória da Totalidade.

Emanuel

Thursday, May 22, 2008

Viagem do Ser aos seus confins

Álvaro de Campos - ODE MARITÍMA
a Santa Rita Pintor

Sózinho, no cais deserto, a esta manhã de verão,
Ólho pró lado da barra, ólho pró Indefinido,
Ólho e contenta-me vêr,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com êle, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Ha uma vaga brisa.
Mas a minh'alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque êle está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Ólho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente.

Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos comsigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
Trazem memórias de cais afastados e doutros momentos
Doutro modo da mesma humanidade noutros portos.
Todo o atracar, todo o largar de navio,
É – sinto-o em mim como o meu sangue –
Inconscientemente simbólico, terrivelmente
Ameaçador de significações metafísicas
Que perturbam em mim quem eu fui...

Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
E quando o navio larga do cais
E se repara de repente que se abriu um espaço
Entre o cais e o navio,
Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente,
Uma névoa de sentimentos de tristeza
Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas
Como a primeira janela onde a madrugada bate,
E me envolve como uma recordação duma outra pessôa
Que fôsse misteriosamente minha.

Ah, quem sabe, quem sabe,
Se não parti outrora, antes de mim,
Dum cais; se não deixei, navio ao sol
Oblíquo da madrugada,
Uma outra espécie de porto?
Quem sabe se não deixei, antes de a hora
Do mundo exterior como eu o vejo
Raiar-se para mim,
Um grande cais cheio de pouca gente,
Duma grande cidade meio-desperta,
Duma enorme cidade comercial, crescida, apoplética,
Tanto quanto isso pode ser fora do Espaço e do Tempo?

Sim, dum cais, dum cais dalgum modo material,
Real, visível como cais, cais realmente,
O Cais Absoluto por cujo modêlo inconscientemente imitado,
Insensívelmente evocado,
Nós os homens construímos
Os nossos cais nos nossos portos,
Os nossos cais de pedra actual sôbre ágoa verdadeira,
Que depois de construídos se anunciam de repente
Cousas-Reais, Espíritos-Cousas, Entidades em Pedra-Almas,
A certos momentos nossos de sentimento-raiz
Quando no mundo-exterior como que se abre uma porta
E, sem que nada se altere,
Tudo se revela diverso.

Ah o Grande Cais donde partimos em Navios-Nações!
O Grande Cais Anterior, eterno e divino!
De que porto? Em que ágoas? E porque penso eu isto?
Grande Cais como os outros cais, mas o Único.
Cheio como êles de silêncios rumorosos nas antemanhãs,
E desabrochando com as manhãs num ruído de guindastes
E chegadas de comboios de mercadorias,
E sob a nuvem negra e ocasional e leve
Do fumo das chaminés das fábricas próximas
Que lhe sombreia o chão preto de carvão pequenino que brilha,
Como se fôsse a sombra duma nuvem que passasse sôbre água sombria.
Ah, que essencialidade de mistério e sentidos parados
Em divino extase revelador
Ás horas côr de silêncios e angústias
Não é ponte entre qualquer cais e O Cais!

Cais negramente reflectido nas águas paradas,
Bulício a bordo dos navios,
Ó alma errante e instável da gente que anda embarcada,
Da gente simbólica que passa e com quem nada dura,
Que quando o navio volta ao porto
Ha sempre qualquer alteração a bordo!

Ó fugas contínuas, idas, ebriedade do Diverso!
Alma eterna dos navegadores e das navegações!
Cascos reflectidos de vagar nas ágoas,
Quando o navio larga do porto!
Fluctuar como alma da vida, partir como voz,
Viver o momento trémulamente sôbre ágoas eternas.
Acordar para dias mais directos que os dias da Europa,
Vêr portos misteriosos sôbre a solidão do mar,
Virar cabos longínqùos para súbitas vastas paisagens
Por inumeráveis encostas atónitas...

Ah, as praias longínqùas, os cais vistos de longe,
E depois as praias proximas, os cais vistos de perto.
O mistério de cada ida e de cada chegada,
A dolorosa instabilidade e incompreensibilidade
Dêste impossível universo
A cada hora marítima mais na própria pele sentido!
O soluço absurdo que as nossas almas derramam
Sôbre as extensões de mares diferentes com ilhas ao longe,
Sôbre as ilhas longínqùas das costas deixadas passar,
Sôbre o crescer nítido dos portos, com as suas casas e a sua gente,
Para o navio que se aproxima.

Ah, a frescura das manhãs em que se chega,
E a palidez das manhãs em que se parte,
Quando as nossas entranhas se arrepanham
E uma vaga sensação parecida com um mêdo
– O mêdo ancestral de se afastar e partir,
O misterioso receio ancestral à Chegada e ao Novo –
Encolhe-nos a pele e agonia-nos,
E todo o nosso corpo angustiado sente,
Como se fôsse a nossa alma,
Uma inexplicável vontade de poder sentir isto doutra maneira:
Uma saudade a qualquer cousa,
Uma perturbação de afeições a que vaga patria?
A que costa? a que navio? a que cais?
Que se adoece em nós o pensamento
E só fica um grande vácuo dentro de nós,
Uma ôca saciedade de minutos marítimos,
E uma ansiedade vaga que seria tédio ou dôr
Se soubesse como sê-lo...

A manhã de verão está, ainda assim, um pouco fresca.
Um leve torpôr de noite anda ainda no ar sacudido.
Acelera-se ligeiramente o volante dentro de mim.
E o paquete vem entrando, porque deve vir entrando sem dúvida,
E não porque eu o veja mover-se na sua distância excessiva.

Na minha imaginação êle está já perto e é visível
Em toda a extensão das linhas das suas vigias,
E treme em mim tudo, toda a carne e toda a pele,
Por causa daquela criatura que nunca chega em nenhum barco
E eu vim esperar hoje ao cais, por um mandado oblíqùo.

Os navios que entram a barra,
Os navios que sáem dos portos,
Os navios que passam ao longe
(Supônho-me vendo-os duma praia deserta) –
Todos êstes navios abstractos quasi na sua ida,
Todos êstes navios assim comóvem-me como se fôssem outra cousa
E não apenas navios, navios indo e vindo.

E os navios vistos de perto, mesmo que se não vá embarcar nêles,
Vistos de baixo, dos botes, muralhas altas de chapas,
Vistos dentro, através das câmaras, das salas, das dispensas,
Olhando de perto os mastros, afilando-se lá pró alto,
Roçando pelas cordas, descendo as escadas incómodas,
Cheirando a untada mistura metálica e marítima de tudo aquilo –
Os navios vistos de perto são outra cousa e a mesma cousa,
Dão a mesma saudade e a mesma ânsia doutra maneira.

Toda a vida marítima! tudo na vida marítima!
Insinua-se no meu sangue toda essa sedução fina
E eu scismo indeterminadamente as viagens.
Ah, as linhas das costas distantes, achatadas pelo horizonte!
Ah, os cabos, as ilhas, as praias areentas!
As solidões marítimas, como certos momentos no Pacífico
Em que não sei porque sugestão aprendida na escola
Se sente pesar sôbre os nervos o facto de que aquêle é o maior dos oceanos
E o mundo e o sabôr das cousas tornam-se um deserto dentro de nós!
A extensão mais humana, mais salpicada, do Atlântico!
O Índico, o mais misterioso dos oceanos todos!
O Mediterrâneo, dôce, sem mistério nenhum, clássico, um mar pra bater
De encontro a esplanadas olhadas de jardins próximos por estátuas brancas!
Todos os mares, todos os estreitos, todas as baïas, todos os gôlfos,
Queria apertá-los ao peito, sentí-los bem e morrer!

E vós, ó cousas navais, meus velhos brinquedos de sonho!
Componde fora de mim a minha vida interior!
Quilhas, mastros e velas, rodas do leme, cordagens,
Chaminés de vapores, hélices, gáveas, flâmulas,
Galdropes, escotilhas, caldeiras, colectores, válvulas,
Caí por mim dentro em montão, em monte,
Como o conteúdo confuso de uma gaveta despejada no chão!
Sêde vós o tesouro da minha avareza febril,
Sêde vós os frutos da árvore da minha imaginação,
Têma de cantos meus, sangue nas veias da minha inteligência,
Vosso seja o laço que me une ao exterior pela estética,
Fornecei-me metáforas, imagens, literatura,
Porque em real verdade, a sério, literalmente,
Minhas sensações são um barco de quilha pró ar,
Minha imaginação uma âncora meio submersa,
Minha ânsia um remo partido,
E a tessitura dos meus nervos uma rêde a secar na praia!

Sôa no acaso do rio um apito, só um.
Treme já todo o chão do meu psiquismo.
Acelera-se cada vez mais o volante dentro de mim.

Ah, os paquetes, as viagens, o não-se-saber-o-paradeiro
De Fulano-de-tal, marítimo, nosso conhecido!
Ah, a glória de se saber que um homem que andava comnosco
Morreu afogado ao pé duma ilha do Pacífico!
Nós que andámos com êle vamos falar nisso a todos,
Com um orgulho legítimo, com uma confiança invisível
Em que tudo isso tenha um sentido mais belo e mais vasto
Que apenas o ter-se perdido o barco onde êle ia
E êle ter ido ao fundo por lhe ter entrado ágoa prós pulmões!

Ah, os paquetes, os navios-carvoeiros, os navios de vela!
Vão rareando – ai de mim! – os navios de vela nos mares!
E eu, que amo a civilisação moderna, eu que beijo com a alma as máquinas,
Eu o engenheiro, eu o civilisado, eu o educado no estrangeiro,
Gostaria de ter outra vez ao pé da minha vista só veleiros e barcos de madeira,
De não saber doutra vida marítima que a antiga vida dos mares!
Porque os mares antigos são a Distância Absoluta,
O Puro Longe, liberto do peso do Actual...
E ah, como aqui tudo me lembra essa vida melhor,
Êsses mares, maiores, porque se navegava mais devagar.
Êsses mares, misteriosos, porque se sabia menos dêles.

Todo o vapor ao longe é um barco de vela perto.
Todo o navio distante visto agora é um navio no passado visto próximo.
Todos os marinheiros invisíveis a bordo dos navios no horisonte
São os marinheiros visíveis do tempo dos velhos navios,
Da época lenta e veleira das navegações perigosas,
Da época de madeira e lona das viagens que duravam mêses.

Toma-me pouco a pouco o delírio das cousas marítimas,
Penetram-me fisicamente o cais e a sua atmosfera,
O marulho do Tejo galga-me por cima dos sentidos,
E começo a sonhar, começo a envolver-me do sonho das ágoas,
Começam a pegar bem as correias-de-transmissão na minh'alma
E a aceleração do volante sacode-me nítidamente.

Chamam por mim as ágoas,
Chamam por mim os mares.
Chamam por mim, levantando uma voz corpórea, os longes,
As épocas marítimas todas sentidas no passado, a chamar.

Tu, marinheiro inglês, Jim Barns meu amigo, fôste tu
Que me ensinaste êsse grito antiqùíssimo, inglês,
Que tão venenosamente resume
Para as almas complexas como a minha
O chamamento confuso das ágoas,
A voz inédita e implícita de todas as cousas do mar,
Dos naufrágios, das viagens longínqùas, das travessias perigosas.
Êsse teu grito inglês, tornado universal no meu sangue,
Sem feitio de grito, sem forma humana nem voz,
Esse grito tremendo que parece soar
De dentro duma caverna cuja abóbada é o céu
E parece narrar todas as sinistras cousas
Que podem acontecer no Longe, no Mar, pela Noite...
(Fingias sempre que era por uma escuna que chamavas,
E dizias assim, pondo uma mão de cada lado da bôca,
Fazendo porta-voz das grandes mãos cortidas e escuras:

Ahó ò-ò ò-ò-ò-ò-ò ò-ò ---- yyyy...
Schooner ahò-ò-ò ò-ò-ò-ò ò-ò-ò-ò-ò-ò---- yyyy...)

Escuto-te de aqui, agora, e desperto a qualquer cousa.
Estremece o vento. Sobe a manhã. O calor abre.
Sinto corarem-me as faces.
Meus olhos conscientes dilatam-se.
O extase em mim levanta-se, cresce, avança,
E com um ruído cego de arruaça acentua-se
O giro vivo do volante.

Ó clamoroso chamamento
A cujo calor, a cuja fúria fervem em mim
Numa unidade explosiva todas as minhas ânsias,
Meus próprios tédios tornados dinâmicos, todos!...
Apêlo lançado ao meu sangue
Dum amôr passado, não sei onde, que volve
E ainda tem fôrça para me atraír e puxar,
Que ainda tem fôrça para me fazer odiar esta vida
Que passo entre a impenetrabilidade física e psiquica
Da gente real com que vivo!

Ah, seja como fôr, seja para onde fôr, partir!
Largar por aí fora, pelas ondas, pelo perigo, pelo mar,
Ir para Longe, ir para Fóra, para a Distância Abstrata,
Indefinidamente, pelas noites misteriosas e fundas,
Levado, como a poeira, plos ventos, plos vendavais!
Ir, ir, ir, ir de vez!
Todo o meu sangue raiva por asas!
Todo o meu corpo atira-se prá frente!
Galgo pla minha imaginação fora em torrentes!
Atropelo-me, rujo, precipito-me!...
Estoiram em espuma as minhas ânsias
E a minha carne é uma onda dando de encontro a rochêdos!

Pensando nisto – ó raiva! pensando nisto – ó fúria!
Pensando nesta estreiteza da minha vida cheia de ânsias,
Súbitamente, trémulamente, extraorbitadamente,
Com uma oscilação viciosa, vasta, violenta,
Do volante vivo da minha imaginação,
Rompe, por mim, assobiando, silvando, vertiginando,
O cio sombrio e sádico da estrídula vida marítima.

Eh marinheiros, gageiros! eh tripulantes, pilotos!
Navegadores, mareantes, marujos, aventureiros!
Eh capitães de navios! homens ao leme e em mastros!
Homens que dormem em beliches rudes!
Homens que dormem co'o Perigo a espreitar plas vigias!
Homens que dormem co'a Morte por travesseiro!
Homens que teem tombadilhos, que teem pontes donde olhar
A imensidade imensa do mar imenso!
Eh manipuladores dos guindastes de carga!
Eh amainadores de velas, fogueiros, criados de bordo!
Homens que metem a carga nos porões!
Homens que enrolam cabos no convez!
Homens que limpam os metais das escotilhas!
Homens do leme! homens das máquinas! homens dos mastros!
Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh!
Gente de bonet de pala! Gente de camisola de malha!
Gente de âncoras e bandeiras cruzadas bordadas no peito!
Gente tatuada! gente de cachimbo! gente de amurada!
Gente escura de tanto sol, crestada de tanta chuva,
Limpa de olhos de tanta imensidade diante dêles,
Audaz de rosto de tantos ventos que lhes bateram a valer!
Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eb!
Homens que vistes a Patagonia!
Homens que passastes pela Austrália!
Que enchestes o vosso olhar de costas que nunca verei!
Que fôstes a terra em terras onde nunca descerei!
Que comprastes artigos tôscos em colónias à prôa de sertões!
E fizestes tudo isso como se não fôsse nada,
Como se isso fôsse natural,
Como se a vida fôsse isso,
Como nem sequer cumprindo um destino!
Eh eh-eh-eh-eh-eh-eh!
Homens do mar actual! homens do mar passado!
Comissários de bordo! escravos das galés! combatentes de Lepanto!
Piratas do tempo de Roma! Navegadores da Grécia!
Fenícios! Cartaginêses! Portuguêses atirados de Sagres
Para a aventura indefinida, para o Mar Absoluto, para realizar o Impossivel!
Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh eh-eh!
Homens que erguestes padrões, que destes nomes a cabos!
Homens que negociastes pela primeira vez com pretos!
Que primeiro vendestes escravos de novas terras!
Que destes o primeiro espasmo europeu às negras atónitas!
Que trouxestes ouro, missanga, madeiras cheirosas, setas,
De encostas explodindo em verde vegetação!
Homens que saqueastes tranqùílas povoações africanas,
Que fizestes fugir com o ruído de canhões essas raças,
Que matastes, roubastes, torturastes, ganhastes
Os prêmios de Novidade de quem, de cabeça baixa,
Arremete contra o mistério de novos mares! Eh-eh-eh-eh-eh!
A vós todos num, a vós todos em vós todos como um,
A vós todos misturados, entrecruzados,
A vós todos sangrentos, violentos, odiados, temidos, sagrados,
Eu vos saúdo, eu vos saúdo, eu vos saúdo!
Eh-eh-eh-eh eh! Eh eh-eh-eh eh! Eh-eh-eh eh-eh-eh eh!
Eh-lahô-lahô-laHO- lahá-á-á-à à!

Quero ir comvôsco, quero ir comvôsco,
Ao mesmo tempo com vós todos
Pra toda a parte pr'onde fôstes!
Quero encontrar vossos perigos frente a frente,
Sentir na minha cara os ventos que engelharam as vossas,
Cuspir dos lábios o sal dos mares que beijaram os vossos,
Ter braços na vossa faina, partilhar das vossas tormentas,
Chegar como vós, errifim, a extraordinários portos!
Fugir comvôsco à civilisação!
Perder comvôsco a noção da moral!
Sentir mudar-se no longe a minha humanidade!
Beber comvôsco em mares do sul
Novas selvagerias, novas balbúrdias da alma,
Novos fogos centrais no meu vulcânico espírito!
Ir comvôsco, despir de mim – ah! põe-te daqui pra fora! –
O meu traje de civilisado, a minha brandura de acções,
Meu mêdo inato das cadeias,
Minha pacífica vida,
A minha vida sentada, estática, regrada e revista!

No mar, no mar, no mar, no mar,
Eh! pôr no mar, ao vento, às vagas,
A minha vida!
Salgar de espuma arremessada pelos ventos
Meu paladar das grandes viagens.
Fustigar de ágoa chicoteante as carnes da minha aventura,
Repassar de frios oceânicos os ossos da minha existência,
Flagelar, cortar, engelhar de ventos, de espumas, de soes,
Meu ser ciclónico e atlântico,
Meus nervos postos como enxárcias,
Lira nas mãos dos ventos!

Sim, sim, sim... Crucificai-me nas navegações
E as minhas espáduas gosarão a minha cruz!
Atai-me às viagens como a postes
E a sensação dos postes entrará pela minha espinha
E eu passarei a senti-los num vasto espasmo passivo!
Fazei o que quizerdes de mim, logo que seja nos mares,
Sôbre convezes, ao som de vagas,
Que me rasgueis, mateis, firais!
O que quero é levar prá Morte
Uma alma a transbordar de Mar,
Ébria a caír das cousas marítimas,
Tanto dos marujos como das âncoras, dos cabos,
Tanto das costas longínqùas como do ruído dos ventos,
Tanto do Longe como do Cais, tanto dos naufrágios
Como dos tranqùílos comércios,
Tanto dos mastros como das vagas,
Levar prá Morte com dôr, voluptuosamente,
Um corpo cheio de sanguesugas, a sugar, a sugar,
De estranhas verdes absurdas sanguesugas marítimas!

Façam enxárcias das minhas veias!
Amarras dos meus músculos!
Arranquem-me a pele, préguem-a às quilhas.
E possa eu sentir a dôr dos pregos e nunca deixar de sentir!
Façam do meu coração uma flâmula de almirante
Na hora de guerra dos velhos navios!
Cálquem aos pés nos convezes meus olhos arrancados!
Quebrem-me os ossos de encontro às amuradas!
Fustíguem-me atado aos mastros, fustíguem-me!
A todos os ventos de todas as latitudes e longitudes
Derramem meu sangue sôbre as ágoas arremessadas
Que atravessam o navio, o tombadilho, de lado a lado,
Nas vascas bravas das tormentas!

Ter a audácia ao vento dos panos das velas!
Ser, como as gáveas altas, o assobio dos ventos!
A velha guitarra do Fado dos mares cheios de perigos,
Canção para os navegadores ouvirem e não repetirem!

Os marinheiros que se sublevaram
Enforcaram o capitão numa vêrga.
Desembarcaram um outro numa ilha deserta.
Marooned!
O sol dos trópicos poz a febre da pirataria antiga
Nas minhas veias intensivas.
Os ventos da Patagonia tatuaram a minha imaginação
De imagens trágicas e obscenas.
Fôgo, fôgo, fôgo, dentro de mim!
Sangue! sangue! sangue! sangue!
Explode todo o meu cérebro!
Parte-se-me o mundo em vermelho!
Estoiram-me com o som de amarras as veias!
E estala em mim, feroz, voraz,
A canção do Grande Pirata,
A morte berrada do Grande Pirata a cantar
Até meter pavôr plas espinhas dos seus homens abaixo.
Lá da ré a morrer, e a berrar, a cantar:

Fifteen men on the Dead Man's Chest.
Yo-ho ho and a bottle of rum!

E depois a gritar, numa voz já irreal, a estoirar no ar:

Darby M'Graw-aw-aw-aw-aw!
Darby M'Graw-aw-aw-aw aw-aw-aw-aw!
Fetch a-a-aft the ru-u-u-u-u-u-u-u-u-um, Darby!

Eia, que vida essa! essa era a vida, eia!
Eh-eh-eh eh-eh-eh-eh!
Eh-lahô-lahô-laHO-lahá-á-á-à-à!
Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh!

Quilhas partidas, navios ao fundo, sangue nos mares!
Convezes cheios de sangue, fragmentos de corpos!
Dedos decepados sôbre amuradas!
Cabeças de creanças, aqui, acolá!
Gente de olhos fora, a gritar, a uivar!
Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh!

Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh!
Embrulho-me em tudo isto como numa capa no frio!
Roço-me por tudo isto como uma gata com cio por um muro!
Rujo como um leão faminto para tudo isto!
Arremeto como um touro louco sôbre tudo isto!
Cravo unhas, parto garras, sangro dos dentes sôbre isto!
Eh-eh-eh-eh-eh-eh eh-eh-eh-eh!

De repente estala-me sôbre os ouvidos
Como um clarim a meu lado,
O velho grito, mas agora irado, metálico,
Chamando a presa que se avista,
A escuna que vai ser tomada:

Ahó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó ---- yyyy...
Schooner ahó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó ó-ó~ó-ó-ó---- yyyy...

O mundo inteiro não existe para mim! Ardo vermelho!
Rujo na fúria da abordagem!
Pirata-mór! César-Pirata!
Pilho, mato, esfacelo, rasgo!
Só sinto o mar, a presa, o saque!
Só sinto em mim bater, baterem-me
As veias das minhas fontes!
Escorre sangue quente a minha sensação dos meus olhos!
Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh!

Ah piratas, piratas, piratas!
Piratas, amai-me e odiai-me!
Misturai-me comvôsco, piratas!

Vossa fúria, vossa crueldade como falam ao sangue
Dum corpo de mulher que foi meu outrora e cujo cio sobrevive!

Eu queria ser um bicho representativo de todos os vossos gestos,
Um bicho que cravasse dentes nas amuradas, nas quilhas,
Que comesse mastros, bebesse sangue e alcatrão nos convezes,
Trincasse velas, remos, cordâme e poleâme,
Serpente do mar feminina e monstruosa cevando-se nos crimes!

E ha uma sinfonia de sensações incompatíveis e análogas,
Ha uma orquestração no meu sangue de balbúrdias de crimes,

De estrépitos espasmados de orgias de sangue nos mares,
Furibundamente, como um vendaval de calor pelo espírito,
Núvem de poeira quente anuviando a minha lucidez
E fazendo-me ver e sonhar isto tudo só com a pele e as veias!

Os piratas, a pirataria, os barcos, a hora,
Aquela hora marítima em que as presas são assaltadas,
E o terror dos apresados foge prá loucura – essa hora,
No seu total de crimes, terror, barcos, gente, mar, céu, núvens,
Brisa, latitude, longitude, vozearia,
Queria eu que fôsse em seu Todo meu corpo em seu Todo, sofrendo,
Que fôsse meu corpo e meu sangue, compozesse meu ser em vermelho,
Florescesse como uma ferida comichando na carne irreal da minha alma!

Ah, ser tudo nos crimes! ser todos os elementos componentes
Dos assaltos aos barcos e das chacinas e das violações!
Ser quanto foi no lugar dos saques!
Ser quanto viveu ou jazeu no local das tragédias de sangue!
Ser o pirata-resumo de toda a pirataria no seu auge,
E a vítima-síntese, mas de carne e ôsso, de todos os piratas do mundo!

Ser no meu corpo passivo a mulher-todas-as-mulheres
Que fôram violadas, mortas, feridas, rasgadas plos piratas!
Ser no meu ser subjugado a fêmea que tem de ser dêles!
E sentir tudo isso – todas estas cousas duma só vez – pela espinha!

Ó meus peludos e rudes heroes da aventura e do crime!
Minhas marítimas feras, maridos da minha imaginação!
Amantes casuais da obliqùídade das minhas sensações!
Queria ser Aquela que vos esperasse nos portos,
A vós, odiados amados do seu sangue de pirata nos sonhos!
Porque ela teria comvôsco, mas só em espírito, raivado
Sôbre os cadáveres nus das vítimas que fazeis no mar!
Porque ela teria acompanhado vosso crime, e na orgia oceânica
Seu espírito de bruxa dançaria invisível em volta dos gestos
Dos vossos corpos, dos vossos cutelos, das vossas mãos estranguladoras!
E ela em terra, esperando-vos, quando viésseis, se acaso viésseis,
Iria beber nos rugidos do vosso amôr todo o vasto,
Todo o nevoento e sinistro perfume das vossas vitórias,
E através dos vossos espasmos silvaria um sabbat de vermelho e amarelo!

A carne rasgada, a carne aberta e estripada, o sangue correndo!
Agora, no auge conciso de sonhar o que vós fazíeis,
Perco-me todo de mim, já não vos pertenço, sou vós,
A minha femininidade que vos acompanha é ser as vossas almas!
Estar por dentro de toda a vossa ferocidade, quando a praticáveis!
Sugar por dentro a vossa consciência das vossas sensações
Quando tingíeis de sangue os mares altos,
Quando de vez em quando atiráveis aos tubarões
Os corpos vivos ainda dos feridos, a carne rosada das creanças
E leváveis as mãis às amuradas para vêrem o que lhes acontecia!

Estar comvôsco na carnágem, na pilhágem!
Estar orquestrado comvôsco na sinfonia dos saques!
Ah, não sei quê, não sei quanto queria eu ser de vós!
Não era só sêr-vos a fêmea, sêr-vos as fêmeas, sêr-vos as vítimas,
Sêr-vos as vítimas – homens, mulheres, creanças, navios –,
Não era só ser a hora e os barcos e as ondas,
Não era só ser vossas almas, vossos corpos, vossa fúria, vossa posse,
Não era só ser concretamente vosso acto abstrato de orgia,
Não era só ser isto que eu queria ser – era mais que isto, o Deus-isto!
Era preciso ser Deus, o Deus dum culto ao contrário,
Um Deus monstruoso e satânico, um Deus dum pantheismo de sangue,
Para poder encher toda a medida da minha fúria imaginativa,
Para poder nunca esgotar os meus desejos de identidade
Com o cada, e o tudo, e o mais-que-tudo das vossas vitórias!

Ah, torturai-me para me curardes!
Minha carne – fazei dela o ar que os vossos cutelos atravessam
Antes de caírem sôbre as cabeças e os ombros!
Minhas veias sejam os fatos que as facas trespassam!
Minha imaginação o corpo das mulheres que violais!
Minha inteligência o convez onde estais de pé matando!
Minha vida toda, no seu conjunto nervoso, histérico, absurdo,
O grande organismo de que cada acto de pirataria que se cometeu
Fôsse uma célula consciente – e todo eu turbilhonasse
Como uma imensa podridão ondeando, e fôsse aquilo tudo!

Com tal velocidade desmedida, pavorosa,
A máquina de febre das minhas visões transbordantes
Gira agora que a minha consciência, volante,
É apenas um nevoento círculo assobiando no ar.

Fifteen men on the Dead Man's Chest.
Yo-ho-ho and a bottle of rum!

Eh-lahô-lahô-laHO---- lahá-á-ááá ---- ààà...

Ah! a selvageria desta selvageria! Merda
Pra toda a vida como a nossa, que não é nada disto!
Eu pr'àqui engenheiro, prático à fôrça, sensível a tudo,
Pr'áqui parado, em relação a vós, mesmo quando ando;
Mesmo quando ajo, inerte; mesmo quando me imponho, débil;
Estático, quebrado, dissidente cobarde da vossa Gloria,
Da vossa grande dinâmica estridente, quente e sangrenta!

Arre! por não poder agir d'acôrdo com o meu delírio!
Arre! por andar sempre agarrado às saias da civilisação!
Por andar com a douceur des moeurs às costas, como um fardo de rendas!
Môços de esquina – todos nós o sômos – do humanitarismo moderno!
Estupôres de tísicos, de neurasténicos, de linfáticos,
Sem coragem para ser gente com violência e audácia,
Com a alma como uma galinha presa por uma perna!

Ah, os piratas! os piratas!
A ânsia do ilegal unido ao feroz
A ância das cousas absolutamente crueis e abomináveis,
Que roe como um cio abstrato os nossos corpos franzinos,
Os nossos nervos femininos e delicados,
E põe grandes febres loucas nos nossos olhares vasios!

Obrigai-me a ajoelhar diante de vós!
Humilhai-me e batei-me!
Fazei de mim o vosso escravo e a vossa cousa!
E que o vosso desprezo por mim nunca me abandone,
Ó meus senhores! ó meus senhores!

Tomar sempre gloriosamente a parte submissa
Nos acontecimentos de sangue e nas sensualidades estiradas!
Desabai sôbre mim, como grandes muros pesados,
Ó bárbaros do antigo mar!
Rasgai-me e feri-me!
De leste a oeste do meu corpo
Riscai de sangue a minha carne!
Beijai com cutelos de bordo e açoites e raiva
O meu alegre terror carnal de vos pertencer,
A minha ância masóquista em me dar à vossa fúria,
Em ser objecto inerte e sentiente da vossa omnívora crueldade,
Dominadores, senhores, imperadores, corcéis!
Ah, torturai-me,
Rasgai-me e abri-me!
Desfeito em pedaços conscientes
Entornai-me sôbre os convezes,
Espalhai-me nos mares, deixai-me
Nas praias ávidas das ilhas!

Cevai sobre mim todo o meu misticismo de vós!
Cinzelai a sangue a minh'alma!
Cortai, riscai!
Ó tatuadores da minha imaginação corpórea!
Esfoladores amados da minha carnal submissão!
Submetei-me como quem mata um cão a pontapés!
Fazei de mim o pôço para o vosso desprezo de domínio!

Fazei de mim as vossas vítimas todas!
Como Cristo sofreu por todos os homens, quero sofrer
Por todas as vossas vítimas às vossas mãos,
Às vossas mãos calosas, sangrentas e de dedos decepados
Nos assaltos bruscos de amuradas!

Fazei de mim qualquer cousa como se eu fôsse
Arrastado – ó prazer, ó beijada dôr! –
Arrastado à cauda de cavalos chicoteados por vós...
Mas isto no mar, isto no ma-a-a~ar, isto no MA-A-A-AR!
Eh-eh-eh-eh-eh! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH! No MA-A-A-A-AR!
Yeh-eh-eh-eh-eh eh! Yeh-eh-eh-eh-eh-eh! Yeh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh!
Grita tudo! tudo a gritar! ventos, vagas, barcos,
Mares, gáveas, piratas, a minha alma, o sangue, e o ar, e o ar!
Eh-eh-eh-eh! Yeh-eh-eh-eh-eh! Yeh-eh-eh-eh eh-eh! Tudo canta a gritar!

FIFTEEN MEN ON THE DEAD MAN'S CHEST.
YO-HO-HO AND A BOTTLE OF RUM!

Eh-eh-eh-eh eh-eh-eh! Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh! Eh eh-eh eh-eh-eh-eh!
Hé-lahô-lahô-la HO-O-O-ôô-lahá-á-á---ààà!

AHÓ-Ó-Ó-Ó-Ó-Ó Ó-Ó-Ó Ó Ó --- yyy!...
SCHOONER AHÓ-Ó-Ó-Ó-Ó-Ó-Ó-Ó-Ó-Ó ---- yyyy!...

Darby M'Graw-aw-aw-aw-aw-aw!
DARBY M'GRAW-AW-AW-AW-AW-AW-AW!
FETCH A-A-AFT THE RU-U-U-U-U-UM, DARBY!

Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh eh-eh-eh!
EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH EH-EH EH-EH-EH!
EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH EH-EH!
EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH!

EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH-EH!

Parte-se em mim qualquer cousa. O vermelho anoiteceu.
Senti de mais para poder continuar a sentir.
Esgotou-se-me a alma, ficou só um éco dentro de mim.
Decresce sensívelmente a velocidade do volante.
Tiram-me um pouco as mãos dos olhos os meus sonhos.
Dentro de mim ha só um vácuo, um deserto, um mar nocturno.
E logo que sinto que ha um mar nocturno dentro de mim,
Sobe dos longes dêle, nasce do seu silêncio,
Outra vez, outra vez, o vasto grito antiqùíssimo.
De repente, como um relâmpago de som, que não faz barulho mas ternura,

Súbitamente abrangendo todo o horizonte marítimo
Húmido e sombrio marulho humano nocturno,
Voz de sereia longinqùa chorando, chamando,
Vem do fundo do Longe, do fundo do Mar, da alma dos Abismos,
E à tona dêle, como algas, boiam meus sonhos desfeitos...

Ahò ò-ò ò ò ò ò-ò ò ò ò---- yy...
Schooner ahò-ò-ò ò ò-ò-ò ò ò ò-ò-ò-ò---- yy .....

Ah, o orvalho sobre a minha excitação!
O frescôr nocturno no meu oceano interior!
Eis tudo em mim de repente ante uma noite no mar
Cheia do enorme misterio humanissimo das ondas nocturnas.
A lua sobe no horizonte
E a minha infancia feliz acorda, como uma lágrima, em mim.
O meu passado ressurge, como se esse grito marítimo
Fôsse um arôma, uma voz, o eco duma canção
Que fôsse chamar ao meu passado
Por aquela felicidade que nunca mais tornarei a ter.

Era na velha casa socegada, ao pé do rio...
(As janelas do meu quarto, e as da casa de jantar tambem,
Davam, por sobre umas casas baixas, para o rio proximo,
Para o Tejo, este mesmo Tejo, mas noutro ponto, mais abaixo...
Se eu agora chegasse ás mesmas janelas não chegava ás mesmas janelas.
Aquêle tempo passou como o fumo dum vapôr no mar alto...

Uma inexplicavel ternura,
Um remorso comovido e lacrimoso,
Por todas aquélas victimas – principalmente as crianças –
Que sonhei fazendo ao sonhar-me pirata antigo,
Emoção comovida, porque elas fôram minhas victimas;
Terna e suave, porque não o fôram realmente;
Uma ternura confusa, como um vidro embaciado, azulada,
Canta velhas canções na minha pobre alma dolorida.

Ah, como pude eu pensar, sonhar aquelas cousas?
Que longe estou do que fui ha uns momentos!
Histeria das sensações – ora estas, ora as opostas!
Na loura manhã que se ergue, como o meu ouvido só escolhe
As cousas de acôrdo com esta emoção – o marulho das ágoas,
O marulho leve das ágoas do rio de encontro ao cais...,
A vela passando perto do outro lado do rio,
Os montes longinquos, dum azul japonez,
As casas de Almada,
E o que ha de suavidade e de infancia na hora matutina!...
Uma gaivota que passa,
E a minha ternura é maior.

Mas todo este tempo não estive a reparar para nada.
Tudo isto foi uma impressão só da pele, como uma caricia.
Todo este tempo não tirei os olhos do meu sonho longinquo,
Da minha casa ao pé do rio,
Da minha infancia ao pé do rio,
Das janelas do meu quarto dando para o rio de noite,
E a paz do luar esparso nas ágoas!...
Minha velha tia, que me amava por causa do filho que perdeu...,
Minha velha tia costumava adormecer-me cantando-me
(Se bem que eu fôsse já crescido de mais para isso)...
Lembro-me e as lágrimas cáem sobre o meu coração e lavam-o da vida,
E ergue-se uma leve brisa maritima dentro de mim.
Ás vezes ela cantava a «Nau Catrinêta»:

Lá vai a Nau Catrinêta
Por sobre as ágoas do mar...

E outras vezes, numa melodia muito saudosa e tão medieval,
Era a «Bela Infanta»... Relembro, e a pobre velha voz ergue-se dentro de mim
E lembra-me que pouco me lembrei dela depois, e ela amava-me tanto!
Como fui ingrato para ela – e afinal que fiz eu da vida?
Era a «Bela Infanta»... Eu fechava os olhos, e ela cantava:

Estando a Bela Infanta
No seu jardim assentada...

Eu abria um pouco os olhos e via a janela cheia de luar
E depois fechava os olhos outra vez, e em tudo isto era feliz.

Estando a Bela Infanta
No seu jardim assentada,
Seu pente de ouro na mão,
Seus cabelos penteava...

Ó meu passado de infância, boneco que me partiram!

Não poder viajar pra o passado, para aquela casa e aquela afeição,
E ficar lá sempre, sempre criança e sempre contente!

Mas tudo isto foi o Passado, lanterna a uma esquina de rua velha.
Pensar nisto faz frio, faz fome duma cousa que se não pode obter.
Dá-me não sei que remorso absurdo pensar nisto.
Oh turbilhão lento de sensações desencontradas!
Vertigem tenue de confusas cousas na alma!
Furias partidas, ternuras como carrinhos de linha com que as crianças brincam,
Grandes desabamentos de imaginação sobre os olhos dos sentidos,
Lágrimas, lágrimas inuteis,
Leves brisas de contradicção roçando pela face a alma...

Evoco, por um esforço voluntario, para sahir desta emoção,
Evoco, com um esforço desesperado, sêco, nulo,
A canção do Grande Pirata, quando estava a morrer:

Fifteen men on The Dead Man's Chest.
Yo-ho-ho and a bottle of rum!

Mas a canção é uma linha recta mal traçada dentro de mim...

Esforço-me e consigo chamar outra vez ante os meus olhos na alma,
Outra vez, mas atravez duma imaginação quasi literaria,
A furia da pirataria, da chacina, o apetite, quasi do paladar, do saque,
Da chacina inutil de mulheres e de crianças,
Da tortura futil, e só para nos distrainnos, dos passageiros pobres,
E a sensualidade de escangalhar e partir as cousas mais queridas dos outros,
Mas sonho isto tudo com um mêdo de qualquer cousa a respirar-me sobre a nuca.
Lembro-me de que seria interessante
Enforcar os filhos à vista das mães
(Mas sinto-me sem querer as mães dêles),
Enterrar vivas nas ilhas desertas as crianças de quatro anos
Levando os pais em barcos até lá para vêrem
(Mas estremeço, lembrando-me dum filho que não tenho e está dormindo tranquilo em casa).

Aguilhôo uma ansia fria dos crimes maritimos,
Duma inquisição sem a desculpa da Fé,
Crimes nem sequer com razão de ser de maldade e de fúria,
Feitos a frio, nem sequer para ferir, nem sequer para fazer mal,
Nem sequer para nos divertirmos, mas apenas para passar o tempo,
Como quem faz paciencias a uma mesa de jantar de provincia com a toalha atirada pra o
outro lado da mesa depois de jantar,
Só pelo suave gosto de cometer crimes abominaveis e não os achar grande cousa,
De ver sofrer até ao ponto da loucura e da morte-pela-dôr mas nunca deixar chegar lá...
Mas a minha imaginação recusa-se a acompanhar-me.
Um calafrio arrepia-me.
E de repente, mais de repente do que da outra vez, de mais longe, de mais fundo,
De repente – oh pavor por todas as minhas veias! –,
Oh frio repentino da porta para o Mistério que se abriu dentro de mim e deixou entrar
uma corrente de ar!
Lembro-me de Deus, do Transcendental da vida, e de repente
A velha voz do marinheiro inglez Jim Bams, com quem eu falava,
Tornada voz das ternuras rí-ústeriosas dentro de mim, das pequenas cousas
De regaço de mãe e de fita de cabelo de irmã,
Mas estupendamente vinda de além da aparência das cousas,
A Voz surda e remota tornada A Voz Absoluta, a Voz Sem Bôca,
Vinda de sobre e de dentro da solidão nocturna dos mares,
Chama por mim, chama por mim, chama por mim...

Vem surdamente, como se fôsse suprimida e se ouvisse,
Longinquamente, como se estivesse soando noutro logar e aqui não se pudesse ouvir,
Como um soluço abafado, uma luz que se apaga, um halito silencioso,
De nenhum lado do espaço, de nenhum local no tempo,
O grito eterno e notumo, o sôpro fundo e confuso:

Ahô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô –yyy ......
Ahô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô – – yyy ......
Schooner ahô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô – – – yy .........

Tremo com um frio da alma repassando-me o corpo
E abro de repente os olhos, que não tinha fechado.
Ah, que alegria a de saír dos sonhos de vez!
Eis outra vez o mundo real, tão bondoso para os nêrvos!
Ei-lo a esta hora matutina em que entram os paquêtes que chegam cêdo.

á não me importa o paquête que entrava. Ainda está longe.
Só o que está perto agora me lava a alma.
A minha imaginação higienica, forte, prática,
Preocupa-se agora apenas com as cousas modernas e uteis,
Com os navios de carga, com os paquêtes e os passageiros,
Com as fortes cousas imediatas, modernas, comerciais, verdadeiras.
Abranda o seu giro dentro de mim o volante.

Maravilhosa vida maritima moderna,
Toda limpeza, maquinas e saúde!
Tudo tão bem arranjado, tão expontaneamente ajustado,
Todas as peças das maquinas, todos os navios pelos mares,
Todos os elementos da actividade comercial de exportação e importação
Tão maravilhosamente combinando-se
Que corre tudo como se fôsse por leis naturais,
Nenhuma cousa esbarrando com outra!

Nada perdeu a poesia. E agora ha a mais as maquinas
Com a sua poesia tambem, e todo o novo genero de vida
Comercial, mundana, intelectual, sentimental,
Que a era das maquinas veiu trazer para as almas.
As viagens agora são tão belas como eram dantes
E um navio será sempre belo, só porque é um navio.
Viajar ainda é viajar e o longe está sempre onde esteve –
Em parte nenhuma, graças a Deus!

Os portos cheios de vapores de muitas especies!
Pequenos, grandes, de varias côres, com varias disposições de vigias,
De tão deliciosamente tantas companhias de navegação!

Vapôres nos portos, tão individuais na separação destacada dos ancoramentos!
Tão prasenteiro o seu garbo quieto de cousas comerciais que andam no mar,
No velho mar sempre o homerico, ó Ulisses!
O olhar hamanitario dos faróis na distância da noite,
Ou o subito farol proximo na noite muito escura
(«Que perto da terra que estavamos passando!» E o som da agua canta-nos ao ouvido)!...

Tudo isto hoje é como sempre foi, mas ha o comercio;
E o destino comercial dos grandes vapôres
Envaidece-me da minha epoca!
A mistura de gente a bordo dos navios de passageiros
Dá-me o orgulho moderno de viver numa epoca onde é tão facil
Misturarem-se as raças, transpôrem-se os espaços, vêr com facilidade todas as cousas,
E gosar a vida realisando um grande numero de sonhos.

Limpos, regulares, modernos como um escritório com guichets em rêdes de arame
amarelo,
Meus sentimentos agora, naturais e comedidos como gentlemen,
São práticos, longe de desvairamentos, enchem de ar marítimo os pulmões,
Como gente perfeitamente consciente de como é higienico respirar o ar do mar.^

O dia é perfeitamente já de horas de trabalho.
Começa tudo a movimentar-se, a regularisar-se.
Com um grande prazer natural e directo percorro com a alma
Todas as operações comerciaes necessarias a um embarque de mercadorias.
A minha época é o carimbo que levam todas as facturas,
E sinto que todas as cartas de todos os escritórios
Deviam ser endereçadas a mim.

Um conhecimento de bordo tem tanta individualidade,
E uma assinatura de comandante de navio é tão bela e moderna!
Rigôr comercial do principio e do fim das cartas:
Dear Sirs – Messieurs – Amigos e Snrs,
Yours faithfully –... nos salutations empressées...
Tudo isto é não só humano e limpo, mas tambêm belo,
E tem ao fim um destino marítimo, um vapôr onde embarquem
As mercadorias de que as cartas e as facturas tratam.

Complexidade da vida! As facturas são feitas por gente
Que tem amores, odios, paixões politicas, ás vezes crimes –
E são tão bem escritas, tão alinhadas, tão independentes de tudo isso!
Ha quem olhe para uma factura e não sinta isto.
Com certeza que tu, Cesario Verde, o sentias.
Eu é até ás lagrimas que o sinto humanissimamente.
Venham dizer-me que não ha poesia no comercio, nos escritórios!
Ora, ela entra por todos os póros... Neste ar maritimo respiro-a,
Porque tudo isto vem a proposito dos vapôres, da navegação moderna,
Porque as facturas e as cartas comerciaes são o principio da historia
E os navios que levam as mercadorias pelo mar eterno são o fim.

Ah, e as viagens, as viagens de recreio, e as outras,
As viagens por mar, onde todos somos companheiros dos outros
Duma maneira especial, como se um misterio maritimo
Nos aproximasse as almas e nos tornasse um momento
Patriotas transitorios duma mesma patria incerta,
Eternamente deslocando-se sobre a imensidade das ágoas!
Grandes hoteis do Infinito, oh transatlanticos meus!
Com o cosmopolitismo perfeito e total de nunca pararem num ponto
E conterem todas as especies de trajes, de caras, de raças!

As viagens, os viajantes – tantas especies dêles!
Tanta nacionalidade sobre o mundo! tanta profissão! tanta gente!
Tanto destino diverso que se póde dar à vida,
Á vida, afinal, no fundo sempre, sempre a mesma!
Tantas caras curiosas! Todas as caras são curiosas
E nada traz tanta religiosidade como olhar muito para gente.
A fraternidade afinal não é uma idéa revolucionaria.
É uma cousa que a gente aprende pela vida fóra, onde tem que tolerar tudo,
E passa a achar graça ao que tem que tolerar,
E acaba quasi a chorar de ternura sobre o que tolerou!

Ah, tudo isto é belo, tudo isto é humano e anda ligado
Aos sentimentos humanos, tão conviventes e burguezes,
Tão complicadamente simples, tão metafisicamente tristes!
A vida flutuante, diversa, acaba por nos educar no humano.
Pobre gente! pobre gente toda a gente!

Despeço-me desta hora no corpo deste outro navio
Que vai agora saindo. É um tramp-steamer inglês,
Muito sujo, como se fôsse um navio francês,
Com um ar simpatico de proletario dos mares,
E sem duvida anunciado ontem na última página das gazetas.

Enternece-me o pobre vapôr, tão humilde vai êle e tão natural.
Parece ter um certo escrupulo não sei em quê, ser pessoa honesta,
Cumpridora duma qualquer especie de deveres.
Lá vai êle deixando o lugar defronte do cais onde estou.
Lá vai êle tranquilamente, passando por onde as naus estiveram
Outrora, outrora...
Para Cardiff? Para Liverpool? Para Londres? Não tem importancia.
Ele faz o seu dever. Assim façamos nós o nosso. Bela vida!
Boa viagem! Boa viagem!
Boa viagem, meu pobre amigo causal, que me fizeste o favôr
De levar comtigo a febre e a tristeza dos meus sonhos,
E restituir-me á vida para olhar para ti e te ver passar.
Boa viagem! Boa viagem! A vida é isto...
Que aprumo tão natural, tão inevitavelmente matutino
Na tua saída do porto de Lisboa, hoje!
Tenho-te uma afeição curiosa e grata por isso...
Por isso quê? Sei lá o que é!... Vai... Passa...
Com um ligeiro estremecimento,
(T-t--t --- t ----t -----t ... )
O volante dentro de mim pára.

Passa, lento vapôr, passa e não fiques...
Passa de mim, passa da minha vista,
Vai-te de dentro do meu coração,
Perde-te no Longe, no Longe, bruma de Deus,
Perde-te, segue o teu destino e deixa-me...
Eu quem sou para que chore e interrogue?
Eu quem sou para que te fale e te ame?
Eu quem sou para que me perturbe vêr-te?
Larga do cais, cresce o sol, ergue-se ouro,
Luzem os telhados dos edificios do cais,
Todo o lado de cá da cidade brilha...
Parte, deixa-me, torna-te
Primeiro o navio a meio do rio, destacado e nitido,
Depois o navio a caminho da barra, pequeno e preto,
Depois ponto vago no horizonte (ó minha angustia!),
Ponto cada vez mais vago no horizonte....
Nada depois, e só eu e a minha tristeza,
E a grande cidade agora cheia de sol
E a hora real e nua como um cais já sem navios,
E o giro lento do guindaste que como um compasso que gira,
Traça um semicirculo de não sei que emoção
No silencio comovido da minh'alma...


ÁLVARO DE CAMPOS,
Engenheiro.